Multiplicam-se as manifestações de repúdio pelos actos de violência injustificada levados a cabo contra manifestantes pacíficos, bem como a exigência de que sejam libertados imediatamente. São disso exemplo a Friends of Angola (FoA) e o MIC – Movimento Independentista de Cabinda. Entretanto, Isaías Samakuva foi recebido em audiência concedida pelo chefe de Estado, João Lourenço, com quem analisou esta questão.
O ex-líder da UNITA, maior partido da oposição (que o MPLA ainda permite que exista em Angola), Isaías Samakuva, pediu hoje ao Presidente João Lourenço que dialogue com a Direcção do seu partido, com o objectivo de ultrapassar várias situações, nomeadamente a realização das eleições autárquicas.
Isaías Samakuva falava à imprensa no final de uma audiência concedida pelo chefe de Estado, dominada pelos últimos acontecimentos de sábado, dia em que a polícia frustrou a tentativa de manifestação de um grupo de jovens da sociedade civil e que contou com o apoio de dirigentes da UNITA.
“Mais uma vez nesses casos, as portas para se dialogar deviam estar abertas. Pedi ao Presidente da República que procurasse contactar a Direcção da UNITA directamente, é importante que se esclareçam algumas situações”, disse Isaías Samakuva.
O antigo líder da segunda força política de Angola pediu também que “aqueles que estão na cadeia sejam libertados”.
Na sequência do confronto entre os manifestantes e a polícia, foram detidas 103 pessoas, incluindo dirigentes da UNITA, que hoje foram presentes a julgamento no Tribunal Provincial de Luanda, Dona Ana Joaquina, acusados pelo Governo de terem cometido actos de arruaça e desobediência.
Segundo o secretário de Estado do Ministério do Interior para o Asseguramento Técnico, Salvador Rodrigues, a manifestação resultou, além das detenções, em seis polícias feridos e a destruição de vários meios da polícia. O governante lamentou igualmente os actos de fogo-posto dos manifestantes.
Para Isaías Samakuva, a libertação dos detidos “vai contribuir para uma maior abertura de diálogo”, reforçando que só o diálogo pode trazer “a compreensão entre os angolanos, que pode ajudar a ultrapassar várias situações”.
“Que vão até ao ponto de, diria, evitar que aquelas questões que parecem ser polémicas, como a questão das autarquias, por exemplo, sejam entendidas por toda a gente. Todas as pessoas saibam de facto o que é que se pretende fazer”, considerou.
A manifestação tinha como objectivo reclamar melhores condições de vida dos cidadãos e exigir que o Presidente angolano anuncie uma data para as primeiras eleições autárquicas em Angola, que estavam previstas para este ano, mas foram adiadas (segundo os interesses do MPLA) por causa da pandemia de Covid-19 e a não conclusão do pacote legislativo autárquico.
Por coincidência, na sexta-feira, devido ao aumento do número de casos da covid-19 no país, foi decretado novo estado de calamidade pública, com medidas de combate e prevenção mais restritivas, nomeadamente a proibição de ajuntamentos na rua de mais de cinco pessoas.
Com este argumento, as autoridades tentaram dissuadir os manifestantes da sua intenção, que já vinha sendo anunciada antes do decreto presidencial, o que resultou num confronto entre manifestantes e as forças da ordem, marcado pelo arremesso de pedras, montagem de barricadas nas estradas com contentores e pneus a arder, pelos primeiros, e o uso de gás lacrimogénio e disparos, apoiados por brigadas caninas e cavalaria, pelos segundos.
Por outro lado, o advogado Laurindo Fonseca, que representa os manifestantes que saíram às ruas de Luanda no sábado, hoje presentes a julgamento, afirmou que mais de 100 pessoas estão detidas sem acusação e que alguns apresentavam sinais de agressões, num “cenário que demonstra tortura”.
“Houve sinais de agressões, muitos deles estão com as camisolas, os vestidos, ensanguentados, é um cenário que demonstra tortura, condenável a todos os títulos”, disse Laurindo Fonseca, do colectivo de advogados que está a ser apoiado pela Associação Mãos Livres, à porta do Tribunal Provincial de Luanda (Palácio Dona Ana Joaquina).
O advogado disse que já houve um contacto prévio com os manifestantes para “apurar o que realmente terá acontecido ou em que condições foram detidos”, estimando que haja mais de 100 pessoas presas desde sábado, embora “as autoridades se neguem a dar um número exacto”. Entre estes estarão três menores de idade. Parte dos detidos encontram-se na 3ª secção, mas ainda não há informações sobre a hora a que irá ter início o julgamento.
“Não temos quaisquer informações, o julgamento ainda não começou, estamos à espera que o tribunal se pronuncie”, afirmou Laurindo Fonseca, indicando que os advogados desconhecem os crimes de que os detidos são acusados.
“Não nos prestaram informações e estamos aqui sem conhecer o crime que terão cometido os manifestantes”, referiu.
Recorde-se que no sábado, uma manifestação convocada por jovens activistas e apoiada pela UNITA foi violentamente reprimida pela polícia, com recurso a gás lacrimogéneo e um forte dispositivo policial, havendo vários relatos de detenções e agressões a jornalistas, que foram também obrigados a apagar imagens das suas câmaras.
Questionado sobre se os três jornalistas ainda detidos se encontram no tribunal, Laurindo Fonseca respondeu que não se encontram presentes e estariam a ser interrogados pelo Ministério Público no Serviço de Investigação Criminal provincial.
A chegada dos detidos ao tribunal, transportados em carros prisionais, foi saudada por algumas dezenas de jovens que se encontram à porta do edifício, na baixa de Luanda, com gritos de “Liberdade, já”.
A governadora de Luanda, Joana Lina, considerou a manifestação como um “acto de vandalismo” alegando que a marcha não poderia realizar-se devido às medidas de prevenção para fazer face à Covid-19.
Enquanto isso, a Friends of Angola (FoA) diz que “é com grande preocupação que tomou conhecimento da agressão perpetrada pela policia no passado dia 24 de Outubro, contra um grupo de manifestantes pacíficos que se manifestavam a respeito do desemprego, eleições livres e justas e corrupção em Angola. Pedimos ao Presidente Lourenço que liberte imediatamente todos os manifestantes que foram detidos ilegalmente durante o protesto em Luanda”.
“Segundo testemunhas presentes no local, as forcas policiais não só agiram brutalmente contra os manifestantes, mas também usaram gás lacrimogéneo, cavalos e veículos policiais para deter, torturar, intimidar e dispersar o protesto pacífico. Testemunhas também afirmam que as autoridades angolanas se recusaram a fornecer assistência médica aos manifestantes que foram torturados por forcas governamental”, afirma a FoA no seu comunicado, acrescentando que “as razões que levaram a sociedade civil local a se manifestar em primeiro lugar são a falta de oportunidades de emprego, a corrupção endémica que continua a custar milhões de dólares dos fundos públicos angolanos e a falta de uma comissão eleitoral independente. A preocupação da FoA baseia-se, entre outros, em factos que violam a lei, especialmente quando as autoridades angolanas consideram que devem ser autorizadas manifestações pacíficas – isto é, procurar aprovação – o que de facto contradiz a Constituição angolana”.
A FoA afirma igualmente que “Angola, além de ter ratificado os Tratados Internacionais, advertiu na sua Constituição que todos os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados em harmonia com a DUDH, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e os Tratados Internacionais (art. 26, nº 2, CRA). A liberdade de reunião e manifestação está consagrada na Constituição da República de Angola (CRA) no seu artigo 47. De forma pacífica e sem armas, conforme referido no n.º 1 do mesmo artigo, os participantes na manifestação apareceram apenas com cartazes, devidamente protegidos com máscaras faciais e respeitando a distância física exigida no contexto do combate à pandemia Covid-19”.
Assim, a Friends of Angola entende “que todo o cidadão, nacional ou estrangeiro, deve ser tratado com dignidade e respeito na reivindicação de um direito. Acreditamos que cada caso deve ser avaliado no estrito cumprimento das Convenções Internacionais das quais Angola é parte. Por este motivo, apelamos ao Governo de Angola e em particular ao Comandante Provincial da Polícia de Luanda, Eduardo Cerqueira, e à Governadora de Luanda, Joana Lina Ramos Baptista Cândido, a serem informados também sobre as leis do país como zelar pelo seu trabalho com total compromisso com as pessoas, independentemente das circunstâncias, para que os seus direitos sejam respeitados”.
A FoA solicita também a “investigação imediata e a liberação da detenção ilegal de vários cidadãos presos. Como é evidente que a manifestação está de acordo com o estipulado no CRA, o FoA exige das autoridades angolanas a abertura de inquérito com o objectivo de levar à justiça os responsáveis pela agressão no que diz respeito a Direitos Humanos universalmente reconhecidos, tais como o direito à integridade física e à liberdade de expressão. Estes direitos são claramente consagrados no CRA e na Declaração Universal dos Direitos do Homem ratificada por Angola, mas entretanto estão a ser violados por autoridades que, por imperativo legal, deveriam ser as primeiras a respeitá-los”.
Em comunicado hoje emitido, o MIC – Movimento Independentista de Cabinda mostra a sua “solidariedade aos activistas e jornalistas angolanos que foram detidos e torturados barbaramente pela Polícia Angolana, na manifestação de sábado”.
Afirma o MIC que “lutar por um direito consagrado na Constituição de Angola não constitui crime algum, crime é violar as liberdades fundamentais dos povos e recorrer ao uso da força como método para resolver os problemas do Povo”.
“Quando o povo que te elegeu decide ir à rua para reivindicar a melhoria das condições sociais, o Governo deve atender e resolvê-las ao invés de usar bárbara e impiedosamente a violência. Nenhuma ditadura resiste quando o Povo se levanta. A vossa luta é justa e esperamos que continuem assim defendendo os vossos direitos a melhoria de condições sociais e entre outros, como nós estamos empenhados na defesa do nosso direito que é a Independência de Cabinda para o bem da África Austral e África Central em que Cabinda faz parte”, conclui o MIC no seu comunicado.
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